domingo, maio 07, 2006

CLUBES/SOCIEDADES NEGRAS: PATRIMÔNIO E POTENCIAL

por Oliveira Silveira

Os clubes sociais negros ou sociedades negras são uma realidade no país, ao menos em parte do território nacional, e constituem espaços físicos, sociais e culturais muito preciosos paralelamente às igualmente preciosas comunidades remanescentes de quilombo.

Um exame rápido da situação desses organismos revela sintomas de debilidade, desestruturação, perigo de desaparecimento, a exemplo de tantos que sucumbiram. Neste caso extremo, entre os desaparecidos no Rio Grande do Sul estão o Clube Náutico Marcílio Dias, de Porto Alegre, onde se realizou a primeira evocação nacional do dia 20 de Novembro em 1971 pelo Grupo Palmares; a Sociedade Nós os Democratas, também de Porto Alegre; o Clube Recreio Operário, de Rio Grande, fundado em 1885; ou a Sociedade Depois da Chuva, de Pelotas.

Com a vida por um fio, agarrados a um fio de esperança, estão entidades como a Sociedade Visconde do Rio Branco, de Passo Fundo, o Clube José do Patrocínio, de Osório, talvez a Sociedade União Familiar, de Santa Maria, a Sociedade Estrela do Oriente, de Rio Grande, e outras que, aparentemente mortas, talvez estejam em coma, profunda ou não, guardando um sopro de vida no interesse e afeição de grupos locais ou associados remanescentes que sonham revitalizá-las. É assim em Butiá e Dom Pedrito, segundo informações. Em Santa Maria, a Sociedade Cultural Ferroviária 13 de Maio respira por aparelhos, mas respira bem, através de um equipamento chamado Museu Treze de Maio, acompanhado pela Associação de Amigos do Museu. É um exemplo centenário, precedido pela gloriosa resistência da Sociedade Beneficente e Cultural Floresta Aurora, de 1872 (ou 71 segundo certas indicações) e da Associação Satélite-Prontidão, de 1902. São ambas da capital sul-riograndense, Porto Alegre. É numerosa a nominata de clubes ou sociedades negras com décadas de existência.

Fora do Estado, pode-se exemplificar com o caso da Sociedade Flor de Maio, de São Carlos-SP, que é detentora de um prédio espaçoso e central mas já perdeu a sede campestre e sobrevive promovendo forró, embora outras atividades ocorram em seu amplo salão, como as realizadas pelo NEAB da UFSCAR – um vínculo interessante com o meio negro universitário.

Quais as causas dessa sintomatologia enunciada anteriormente – enfraquecimento e aparência de morte rondando?

Ouvem-se várias explicações:

- desinteresse dos associados ou seu baixo poder aquisitivo aliado a fatores como crise econômica, desemprego;
- clubes brancos abrindo suas portas também para negros entre as medidas adotadas para superar suas próprias crises;
- ingresso de pessoas brancas ou não-negras inclusive assumindo a diretoria ou a presidência e gerando crise interna ao desgostar associados (já houve caso de clube negro perdido dessa forma, passando para mãos brancas graças a estratégias espertas, bem montadas e ajudadas pelo descuido e a negligência de dirigentes negros, como costuma relatar Francisco Pinheiro Ramos, o tenente Pinheiro, ativista incansável da causa negra radicado em Rosário do Sul);
- outras causas seriam a escassez de recursos e a falta de apoio dos governos municipal e estadual; o comprometimento político-partidário e eleitoral; o despreparo dos dirigentes ou seu nível de consciência étnico-racial; concorrência de outros tipos de entretenimento e lazer; problemas administrativos, incluindo questões trabalhistas, funcionamento da copa, endividamento, pressões da especulação imobiliária; e algumas outras tentativas de detectar as referidas causas.

Geralmente combinadas e acumuladas, causas desse tipo confirmam os sintomas. E as conseqüências então aparecem: instabilidade, desestruturação, clubes tornando-se salões de baile com entrada paga na porta e sem programação para os sócios que, abandonados, se afastam. Ou sedes passando a hospedar cultos ditos religiosos e seus pregadores. Por fim, a desativação, o fechamento e a perda de um patrimônio importante. Patrimônio social, espaço fundamental para uma comunidade negra geralmente sem teto, em que as pessoas às vezes só possuem as suas casas ou então nem isso.

Diante desse quadro como reagir?
Que atitude tomar e que medidas implementar?
Que propostas apresentar?

Algumas indicações para debate:

1 – aprofundar a discussão;
2 – estudar em conjunto a situação através de reuniões, encontros locais, regionais, estaduais e nacionais;
3 – levantar as possibilidades de apoio oficial, concretamente através da SEPPIR e suas ações transversais e descentralizadoras – transversais na parceria com os diferentes Ministérios e descentralizadoras ao combinarem as esferas federal, estadual e municipal;
4 – identificar, na realidade local e regional, o que é viável, o que pode ser feito, e indicar esses caminhos para orientar a ação conjunta das esferas municipal, estadual e federal;
5 – voltar às origens, como contrapartida básica; ou seja: clubes de negros para negros, sem pensar que isso possa ser chamado de “racismo ao contrário” num país em que é constitucionalmente legal esse direito de reunião e associação, país de sociedade que continua racista e que é reconhecida oficialmente como discriminatória no campo étnico-racial;
6 – participar da diversidade sem se anular mas tendo por base o fortalecimento da sua diferença como parte do grupo social negro – grupo étnico afro-brasileiro, nos termos da Constituição nacional; e com base na afirmação de sua identidade étnico-racial, cultural e de seus direitos à cidadania;
7 – realizar pesquisa no município, nos meios urbano e rural, para localizar as famílias negras, as famílias mistas com componentes negros, as famílias negras de pessoas pretas, os estudantes negros na rede escolar, em todos os níveis (crianças, adolescentes, jovens) e os antigos associados negros e negras;
8 – reestruturar a Sociedade, se for o caso, reformular e reorganizar;
9 – reformar os estatutos caracterizando a Sociedade como organização negra;
10 – definir ações e planejar o trabalho.

Algumas considerações

Certo dia, em conversa, o presidente da Sociedade Floresta Aurora, Alpheu Cachapuz, disse mais ou menos assim: o negro pode ir ao clube branco e sentir-se bem, mas não vai se sentir em casa (como na sociedade negra). De fato, esse parece ser um ponto definidor. Qual a vocação mais legítima de um clube negro? Ser verdadeiramente uma sociedade de pessoas negras. Um lugar para a gente ir, estar, curtir, agir, interagir e se sentir em casa. Será assim?

Caso afirmativo, ao realizar suas atividades seja na área recreativa, beneficente e outras ou seja na área cultural, num sentido profundo de cultura, o clube estará desenvolvendo o seu enorme potencial como espaço capaz de servir e ser útil à comunidade negra – por exemplo: sendo veículo para as ações afirmativas, reparatórias, de inclusão social, programas voltados para estudo, trabalho e saúde, prática das expressões culturais negras, exercício de direitos humanos e cidadania... Ele tem potencial para ser um grande núcleo organizativo atuando para a coesão social do segmento negro, a formação da família negra e a preservação do grupo étnico-racial, sempre ameaçado pela ideologia do branqueamento através da miscigenação. Ameaçado pelo racismo antinegro que, como outros racismos, está sempre sendo renovado e realimentado no país e no mundo.

Nesse sentido e por tudo isso o clube social negro ou sociedade negra representa um espaço de resistência e promoção social muito importante e valioso.

Nota: O esquema sintomas-causas-conseqüências-propostas segue modelo de trabalho desenvolvido no Seminário regional pelo coordenador Éverton em 08-04-2006 em Santa Maria.

(Oliveira Silveira, conselheiro do CNPIR, órgão consultivo da SEPPIR. Porto Alegre, 07-05-2006.)

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